7 Jul 2013

Foi o resto da vida inteira que me fez assim.

  Se não fosse a Telma e o Saul casados, não seria eu. Se não fossem as músicas e os pequenos textos, não seria eu. Se não fosse a vida me quebrando a cara, não seria eu. Se não fossem os gatos que se juntavam e dormiam apertados na minha cama nos dias de inverno, não seria eu. Se não fossem os apelidos e aquele corte de cabelo e até mesmo aquele mico, não seria eu. Se não fosse o Fred com seu tamanho de uma casa, se não fosse meu desespero ao me deparar com latidos, não seria eu. Se não fosse o vinho Campo Largo ou os primeiros 5 reais gastos numa carteira de cigarros, não seria eu. Se não fosse a Índia ou a Noruega, não seria eu. Se não fosse os portugueses estuprando as índias e as negras escravas, não seria eu. Se não fosse a chama que ardeu no meu peito aquele dia, não seria eu.

  Se não fossem os amigos que me deram facadas nas costas, não seria eu. Se não fosse a minha infância tranquila e uma adolescência com visitas ao psiquiatra, não seria eu. Se não fossem aqueles poucos livros, não seria eu. Se não fosse meu coração quebrado tantas e tantas vezes, não seria eu. Se não fosse a tintura de cabelo e a psicodelia, não seria eu. Se não fosse a minha desistência, não seria eu.

  Se eu não tivesse me interessado pelas coisas que ninguém jamais me contou, não seria eu. Se não fosse Satanás e os pecados e o fogo do inferno, não seria eu. Se não fosse o limite entre a psicose e a neurose, não seria eu. Se não fossem as feridas que cicatrizaram em meus braços, não seria eu. Se não fossem as tentativas de acabar com a própria vida, não seria eu.

  Se não fosse aqueles dias em que a mamãe esteve no hospital, não seria eu. Se eu soubesse cozinhar, não seria eu. Se não fosse a picanha e os churrascos e a farofa e os brigadeiros, não seria eu. Se não fossem os olhos e cabelos claros que me conquistaram, não seria eu. Se não fosse Adolf Hitler e a Segunda Guerra Mundial, Pripyat e a radiação e as bombas atômicas e a física, não seria eu. Se não fossem as traições e o pessimismo não seria eu.

  Se não fosse o sangue derramado por todo o apartamento, e as músicas deprimentes, e as tardes de sol, e as caminhadas na chuva, e o par de skis, e os tombos na neve, e as vezes em que me afoguei em piscinas, e os siris que a vovó comprava vivos, e os carangueijos de estimação, e os arrependimentos, e os cataventos naquela casa perto do fim do mundo, não seria eu.

Texto escrito em resposta ao meme que a Thay me indicou.
Ficou uma porcaria, mas jamais espere algo bom da criatura que vos escreve.

1 comment:

Thay said...

Pare com isso, que ficou único. Ficou você, e isso já faz o texto especial. Fiquei feliz que você respondeu o meme! Queria ler sua versão de si mesma, e os pequenos detalhes que escolheria. <3
Beijo, se cuida. (: