28 Apr 2013

Era pra ser amor, mas foi selvagem.

  Não foi engraçado. Não mesmo. E mesmo assim a gente tava rindo. Era aquele tipo de situação em que você não tem nada mais a fazer, apenas limpar a bagunça e rir. Porque você sabe que depois você vai chorar. Muito. Eu não estava nervosa no momento, pois eu sabia que, dessa vez, eu teria que contar com outras pessoas para resolver os problemas. Honestamente, eu me senti um pouco deixada de lado. Apenas um figurante na cena. E por que não seria assim? Eu sei muito bem que eu era apenas uma testemunha.

  Mas por que dói tanto? A todo instante as memórias passam por minha mente e tudo que consigo fazer é controlar-me para não chorar. Não exatamente pelo contexto das imagens, mas o que realmente me incomoda é que eu me importo. As manchas de sangue seco por todo o chão não eram de qualquer pessoa. Eram d'Ele. E isso, caro leitor, é simplesmente perturbador.

  Foi há cerca de um mês que nos conhecemos. Foi quando o deixei pela primeira vez. Não que eu me arrependa de tê-lo deixado naquele dia, eu mal o conhecia. Honestamente não lembrava seu nome quando o encontrei de novo, apenas sua face. Não sei exatamente o porquê, mas eu nunca consegui esquecer aquele rosto. Reconheci-o na hora em que vi. Mesmo que Ele não lembrasse de mim, eu não me importava tanto. E foi aí que as coisas começaram a ficar bem. Acho que nunca esquecerei a sensação de passar a noite ao lado daquele corpo nu erradiando calor.

  Quando a manhã chegou, deixei-o pela segunda vez.

  O tempo passou e mesmo que meus pensamentos se concentrassem em um outro alguém, por vezes memórias daquela noite voltavam a minha mente. E antes que eu percebesse, eu estava naquele apartamento novamente. A intenção não era ficar, mas não resisti. Caí na tentação de dormir naquela mesma cama, sentindo o cheiro daquele perfume que eu já não conseguia esquecer.

  No outro dia, deixei-o uma terceira vez.

  Mais uma semana e eu já não suportava mais pensamentos voltados a coisas que acabavam por piorar a minha saúde mental. O plano era simplesmente observar a natureza enquanto o álcool fazia seu trabalho no organismo. Só que eu já sabia onde tudo isso iria acabar. Na mesma cama, óbviamente. Eu só não esperava estar sozinha desta vez.

  A noite estava agradável. Por que é que sempre tem um filho da puta para estragar tudo? E apesar de tudo, eu não sei muito bem o que houve. Ninguém sabe. O nível de álcool em nosso sangue já era o bastante para que não tivéssemos certeza de nada. Ele me carregou até a cama - ah! aquela cama! -, coisa que jamais tinha acontecido comigo. Deixou-me sozinha no quarto escuro por alguns momentos e eu não tinha certeza do que Ele queria fazer. O apartamento era pequeno, do quarto eu podia ouvir o que acontecia na sala de estar. Escutei sua voz dirigindo-se ao outro garoto presente e o pouco que consegui compreender era algo sobre abrir alguma coisa. Por um instante eu achei que estava tentando abrir uma garrafa de vinho, o que faria muito sentido. Estávamos todos bêbados, de fato, mas havia espaço para mais. Foi aí que eu ouvi o barulho.

  Grande. Algo muito grande tinha caído. E eu não tinha ideia do que poderia ser. Por um segundo fiquei paralisada na cama, esperando para ver se ouvia mais alguma coisa. E nada. Pulei da cama e saí correndo, honestamente esperando encontrar algo quebrado no chão e os dois limpando a bagunça. Mas tudo que vi foi aquele rosto - aquele mesmo que eu tanto gosto - coberto de sangue. O que diabos eu deveria fazer?! O desespero tomou conta de uma parte de mim, enquanto a outra conseguia manter a calma. Gritei pelo nome do outro morador do apartamento. Nós tentamos estancar o sangramento, sem sucesso. O levamos até o banheiro, depois até o quarto, procuramos por algo para amarrar em sua cabeça e no fim acabamos espalhando sangue por todos os cômodos. A verdade é que o corte era muito fundo. Olhando pela janela, podia-se ver o outro garoto caído no chão, como se tivesse pulado para fora. Mas a janela estava fechada e inteira. Não havia um caco de vidro no chão.

  Poucos minutos após a ligação, a polícia chegou. O garoto caído do lado de fora havia desaparecido. Haviam câmeras e faixas por todo lado. Fomos encaminhados para a delegacia mais próxima. Enquanto isso meu coração não se acalmava, pensando se Ele estava bem, se tinha ido ao pronto socorro, ou o que os outros policiais fizeram com Ele. Após duas horas prestando depoimento, nós, as testemunhas, deixamos a delegacia às 6 da manhã. Já que o apartamento não era longe, caminhamos até o local. O sangue no chão de todos os cômodos já estava seco. Passamos bons momentos tirando toda aquela tinta vermelha do chão, do banheiro, da máquina de lavar, e ainda haviam muitas toalhas e peças de roupa completamente vermelhas. Precisei lavar meus braços, que também estavam cobertos de sangue. Dirigi-me ao quarto.

  Então caiu a ficha. Dessa vez eu estava sozinha naquele cômodo. O cheiro na cama não vinha mais d'Ele, mas sim do fato de que Ele esteve lá horas antes, deixando o perfume impregnar no lençol. O calor agora vinha apenas das cobertas, e não mais daquele corpo que eu tanto gostava de sentir em contato com o meu.

  Eu, que o havia deixado tantas vezes antes, fui deixada.

  Adormeci.

4 comments:

Thay said...

Você sempre me deixa em dúvida sobre o quanto disso é real. Assim, no comentário que me deixou era como se isso realmente tivesse acontecido... talvez esse texto seja uma metáfora? Ahh, eu não faço ideia. D:

E não me irrita você falar sobre aquele post. Só fechei os comentários no dia pq não queria ler condolências de ninguém. Fiquei revoltada mesmo... agora já melhorei, vou reunindo os pedaços aos poucos. Tentei colocar pra mim que é melhor assim, pois minha avó já não sofre mais.

Se cuida!
=*

Thay said...

Maria, como assim não são metáforas?! Fiquei preocupada com você! Nem encontro palavras, fiquei arrepiada e alarmada! Você tá bem? E o menino? Estou evitando pensar no pior! Sério, precisando de qualquer coisa, me fale! Nem que seja pra, sei lá, te distrair! D:

Se cuida!

Bruno said...

Ah, escritas sensoriais. Tão boas que quase me excitam (quase, não sou pervertido!). Teu texto é tão bittersweet, tem o lado profundo da solidão contra o passado da ignoradora com o ignorado, e o passado mais "conto de fadas". Tu escreve bem, embora a linhagem temporária tenha me parecido fosca (ou foi tua intenção ou estou com sono) e isso tenha me atrapalhado um pouco. Ah, e obviamente, teu blog é muito interessante!


Se tu fosse um animal, seria o mais cruel! Diga-me como, por favor, diga-me! Como algum ser viciado em internet, com o olhar gasto, consegue achar o botão para comentar no teu blog? Azul com fundo cinza escuro? Menina má... Muito má!

Teu comentário no meu blog foi: "O nome já parece clichê, mas não custa tentar ler..."
Custa tempo e se tu considera clichê, não o gaste com isso, outras oportunidades virão e, embora a leitura de Beastly seja agradável, creio que serão mais proveitosas para ti!

Abraços!

Antônio LaCarne said...

essa sensibilidade gritante e o senso de entrar em contato consigo mesma. eu simplesmente me identifiquei com o que você escreve, e ao mesmo tempo me pergunto se tudo isso é/foi real.

mas como é minha primeira vez aqui, te desejo dias felizes e de sorte.